Brasil é o quarto país com mais casamentos infantis no mundo
Por:Renato Alban*
“Eu tinha 14 anos e
ele, quase 30. Como um homem mais velho, ele teve as artimanhas para me seduzir
e eu engravidei. Me deparei com a realidade de cuidar de uma filha e de ser
dona de casa. Sofri muito, ele era agressivo, ciumento e possessivo”. Com o casamento
na adolescência, a secretária Daniela Araújo, 37 anos, foi afastada da escola,
viveu um relacionamento abusivo e passou pelos riscos de uma gravidez precoce.
De acordo com estudo do Banco Mundial, casamentos
infantis são a causa de 30% da evasão feminina de adolescentes de escolas e
aumentam as chances de meninas engravidarem precocemente e sofrerem violência
doméstica, abusos e estupros maritais – quando a mulher é violentada pelo
marido.
O Brasil é o quarto país do mundo com mais
casamentos de crianças e adolescentes do sexo feminino. De acordo com o
levantamento do Banco Mundial, entre mulheres com idades entre 20 e 24 anos,
36% se casaram antes da maioridade no país, o que representa 2,9 milhões de
pessoas.
A Justiça brasileira permite casamento com menores
de 18 anos em duas situações. Para os que possuem 16 e 17 anos, o matrimônio é
oficializado se houver a autorização dos pais do adolescente. Já no caso do
noivo ou da noiva ter menos de 16, o casamento é permitido se houver gravidez.
Antes de 2005, havia ainda a possibilidade de o
casamento ser realizado para que o noivo ou noiva maior de 18 anos evitasse
pena criminal. Essa brecha na lei foi anulada. “Era uma isenção da pena de se
relacionar com uma menor. O casamento deixava o agressor ficar impune”, diz a
procuradora do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Márcia Guedes.
No Brasil, violentar sexualmente crianças ou
adolescentes ou manter relação sexual com uma pessoa com menos de 14 anos é
crime. “Socialmente, as pessoas aceitam a relação entre duas pessoas com uma
delas menor de idade e esquecem de observar que, por trás disso, pode haver o
crime”, afirma Márcia, que é coordenadora do Centro de Apoio Operacional da
Criança e do Adolescente (Caoca) do MP-BA.
Meninas
A pesquisa do Banco Mundial aponta que a união mais
comum em casamentos infantis é entre homens com mais de 18 anos e meninas que
não alcançaram a maioridade. Na Bahia, quinto estado com mais uniões
matrimoniais com crianças e adolescentes no Brasil, a cada 100 meninas com
menos de 18 anos que se casam, seis meninos nessa faixa etária contraem
matrimônio.
No estado, mais de duas mil crianças e adolescentes
se casaram em 2015, de acordo com dados do IBGE. No mesmo ano, 38,7 mil meninas
com menos de 18 anos se casaram no país. A procuradora do MP-BA afirma, no
entanto, que o número de uniões deve ser ainda maior. “Quase a totalidade dos
casamentos infantis são na informalidade”.
Para os que casam formalmente, há uma
obrigatoriedade do regime de divisão total de bens. Para a promotora, essa
regra não favorece a criança ou adolescente. “Deveria ser um regime que
protegesse o menor, que nem tem acesso ao que for conquistado em matrimônio”,
afirma a coordenadora do Caoca.
Campanha
Um
projeto de lei em tramitação no Congresso prevê a proibição do casamento de
crianças e adolescentes com menos de 18 anos no Brasil independente da
situação. A ONG britânica Plan International promove a campanha “Casamento
Civil Não” para incentivar a mudança na lei por meio de uma petição online.
Para assinar, é preciso entrar no site da campanha: www.casamentoinfantilnao.org.br.
“Precisamos de mudanças efetivas nas leis que, ao
manterem brechas para o casamento formal antes dos 18 anos, enviam um poderoso
sinal a sociedade de que meninas podem se casar”, defende a especialista de
gênero da organização, Viviana Santiago.
A procuradora do MP-BA argumenta ainda que deve
haver uma mudança cultural no país. “A sociedade precisa se conscientizar das
consequências para a vítima”, diz a coordenadora do Caoca.
Para Viviana Santiago, o grande problema é que foi
construída a compreensão social de que o casamento é a melhor opção para uma
menina e de que o matrimônio resolverá qualquer problema que ela tenha.
Daniela Araújo, que viveu a experiência de um
casamento infantil, conta que educa suas filhas para não seguir o caminho dela.
“Todo o sonho que ele [o marido] pintou para mim, de que eu teria a vida de
princesa, foi mentira. A menina quando tem uma fase interrompida, ela passa por
muitos sofrimentos. Aquilo causa marcas, a pessoa entra em muitos conflitos”.
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